Com pistolagem contra autoridades, crime organizado amplia domínio na fronteira
“Estamos atravessando um momento em que, se nada for feito, teremos consequências muito graves. Diante do que estamos presenciando, o estado não pode ser mais fraco que as organizações criminosas”. A afirmação é do professor doutor da UNP (Universidade Nacional de Pilar) e analista de segurança e política Juan Martens, em conversa exclusiva com a reportagem do Midiamax a respeito da violência no Paraguai.
Para Martens, que há anos desenvolve estudos sobre as relações do governo paraguaio e as organizações criminosas no país vizinho, as coisas, que já estavam fora do controle, caminham para o caos. Segundo o pesquisador, que também é advogado, a execução do promotor Marcello Pecci, por pistoleiros e agora o ataque ao prefeito de Pedro Juan Caballero, José Carlos Acevedo, estão ligados por uma mesma linha que transcende fronteiras, que é o dinheiro do narcotráfico.
“Somos os maiores plantadores de maconha e não tenho receio nenhum em afirmar que hoje o Paraguai é um centro mundial de produção de cocaína. Mais do que um corredor de drogas que também chegam de outros países, aqui é o ponto de partida desse produto cobiçado e rentável que rende fortunas aos criminosos do PCC e também de outras organizações que disputam o domínio do narcotráfico para o Brasil e também para a Europa”, afirma Martens.
Na avaliação do analista, esses últimos acontecimentos envolvendo autoridades do Judiciário e também do Executivo, aliados à violência periférica, como queima de arquivos, expõem ainda mais a insegurança no Paraguai. “É evidente que o caos instalado no país não surgiu da noite para o dia. Não se trata de uma equação fácil de ser resolvida como se fosse um passe de mágica. Entretanto, não podemos deixar as coisas como estão. Temos que aproveitar essas questões pontuais, para mudar o rumo da história”, aconselha.
Assassinatos por encomenda
Os dados numéricos mais recentes levantados pelo pesquisador mostram que a escalada da violência nos departamentos do Paraguai, está em ritmo acelerado em 2022. Segundo ele, somente em janeiro, foram 27 casos de homicídios contratados, também conhecidos como crimes de pistolagem. Embora nos demais meses tenha ocorrido uma queda, com 14 em fevereiro, 16 em março e 16 também em abril, os assassinatos pela tendência devem ficar no mesmo nível.
Outro ponto observado pelo estudioso, que precisa ser analisado com cautela, principalmente pelas autoridades brasileiras, é que a maior parte dos assassinatos por encomenda, cerca de 67%, está registada no Departamento de Amambay, principalmente nas cidades que fazem fronteira com o Mato Grosso do Sul. O restante dos índices de homicídios por pistolagem está distribuído em outras regiões, como Central, Concepción e Canindeyú.
“São números assustadores que precisam ser revertidos, sob risco de colapso da segurança, não só do lado paraguaio, mas também na parte do território brasileiro, onde o domínio de facções criminosas como o PCC e CV (Comando Vermelho) está cada vez mais consolidado”, pontua o professor da UNP, defendendo o aparelhamento do estado com armas de tecnologia avançada e com serviços de inteligência eficazes e independentes.
“Dominar territórios”
Na matemática sugerida por Martens, diante de números negativos para a segurança e resultados positivos para a criminalidade, a conta agora tem que que ser somatória, em especial, de esforços para vencer a guerra contra as organizações do mal. “Do lado das organizações criminosas, a intenção é dominar os territórios e meter medo, de tal maneira que sigam atuando tranquilamente“, ressalta Martens.
De acordo com os números apurados pelo analista, em janeiro, foram 27 casos de homicídios contratados, 14 em fevereiro, 16 em março e em abril também 16 eventos do mesmo tipo. Entretanto, disse que a maior percentagem, cerca de 67%, está registada no Departamento de Amambay, enquanto cerca de 20% ocorre entre Central, Concepción e Canindeyú.
Outro dado preocupante, de acordo com o pesquisador, é o fato dos casos dos assassinatos por encomenda refletirem o poder por parte do crime organizado contra as autoridades de Segurança e Justiça, numa clara demonstração de força. Esse ‘modus operandi’, conforme Martens, está cada vez mais usual e aterrorizante porque ocorrem geralmente à luz do dia, com foco no alvo a ser atingido.
Além disso, os ataques acontecem, na maioria das vezes, em locais públicos, como a execução do promotor Marcelo Pecci, em uma praia da Colômbia, o atentado ao prefeito de Pedro Juan Caballero, na frente de órgão público, e a chacina que matou quatro pessoas, entre elas, Haylee Acevedo, filha do Governador de Amambay, Ronald Acevedo, ocorrida após a saída de uma festa.
“Deito e levanto com medo”
“Apesar de rezar todos os dias, deito e levanto com medo de ir trabalhar. Às vezes, tenho a sensação que não vou voltar para casa e rever meus filhos“, conta Maria Villaba, que mora em Ponta Porã, mas que precisa cruzar a Linha Internacional até uma loja de tecidos em Pedro Juan Caballero, do lado paraguaio, onde trabalha.
Para o prefeito de Ponta Porã, Hélio Peluffo, amigo de infância do intendente de Pedro Juan Caballero, administrar uma cidade já não é uma tarefa fácil, mas quando se trata da fronteira, o desafio toma proporções ainda maiores. “Esse é um lugar bom para se viver. Aqui criamos nos filhos, mas é claro que essas exceções fazem com que a gente esteja sempre no fio da navalha”, relata.
Segundo Peluffo, nada do que acontece na fronteira é novidade, mas não dá simplesmente para conviver com elas e achar que é tudo normal. “Isso nos faz repensar a vida pública. Você se doa, você se dedica, assume compromissos, faz o melhor para a sociedade e muitas vezes acaba penalizado de uma maneira brutal”, pondera o prefeito.
No segundo mandato na cidade, o prefeito contou à reportagem do Midiamax que, apesar de conhecer de perto a realidade e acompanhar o movimento entre as duas cidades gêmeas [Ponta Porã e Pedro Juan], que é separada pela Linha Internacional, algumas vezes também sente medo. “É claro que a gente sente medo. Temos nossos familiares, filhos, netos. Mas eu tenho uma coisa que é maior que todo mundo que é Deus. E quem tem Deus não pode ter medo”, afirma Peluffo.
Geopolítica da fronteira
Ainda segundo o prefeito de Ponta Porã, o combate à violência na região passa pela união de esforços entre Brasil e Paraguai. “A fronteira precisa ser olhada de uma outra forma, como geopolítica. Se o Governo Federal, os dois governos centrais não se juntarem e não fizerem políticas públicas para a segurança pública, isso não vai se resolver”, sugere o administrador.
No mesmo dia em quem José Carlos Acevedo foi atingido com 7 disparos de pistola 9 milímetros, o cenário na fronteira com Mato Grosso do Sul foi de extrema violência. Além do ataque ao prefeito de Pedro Juan Caballero, dois homens foram executados na cidade. Já no distrito de Yby Pytã, que fica no departamento de Canindeyú, a aproximadamente 30 quilômetros de Paranhos, outras duas pessoas também foram assassinadas por pistoleiros.
Ainda na mesma tarde, um carro foi encontrado em chamas na saída para Antônio João na região de fronteira entre Ponta Porã e Pedro Juan Caballero, a 346 quilômetros de Campo Grande. O veículo, segundo a Polícia Nacional, pode ser o mesmo utilizado na ação contra o prefeito José Carlos Acevedo.
Fonte: Jornal Midiamax – Por Marcos Morandi – Foto: A fronteira
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